terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Natal fora do ninho

Daniela Neto registra minha tentativa de dar colo a três.
Quem já teve a honra de conhecer a grande família Bernardon, lá do sudoeste do Paraná, sabe que Natal é uma festa sagrada. Neste ano, pela primeira vez na vida, passei a data longe de algum familiar. Por mais que tenha falado com vários ao longo do dia, o abraço e o beijo enviados por telefone ou internet não têm o mesmo afago. Como em Moçambique não sou a única desgarrada da família, resolvemos nos unir.

Depois de uma ceia farta e muitos bons drink madrugada do dia 25 adentro, fomos dar um pouco de carinho a quem, assim como nós, não teve o abraço da família neste Natal. O caminho até o orfanato Casa da Alegria, no bairro do Hulene, foi tenso. Areia e mais areia, buraco atrás de buraco. Mas mal chegamos, e uma criança saltitante abriu o portão para entrarmos. Trocamos a apreensão por toneladas de abraços, beijos, carinhos e o sentimento de que não estamos sós, por mais solitário que pareça nosso dia.

Para a foto, o sorriso igual ao meu; detalhe para os olhos.
Moçambique possui população de 20,3 milhões de pessoas, de acordo com o governo nacional. Segundo a UNAIDS, 16% da população adulta (entre 15 e 49 anos) são soropositivos. A Unicef estima que há 1,6 milhão de crianças órfãs no país, das quais 350 mil perderam seus pais devido ao vírus da AIDS. Na Casa da Alegria, essas estimativas ganham rostos, vozes, lágrimas e sorrisos.

Aqui há mais de 60 crianças, duas delas chegadas nesta noite de Natal. A mãe havia morrido três semanas após o parto dos gêmeos, provavelmente por alguma complicação causada pela AIDS. Foi enterrada ontem, mesmo dia em que o pai e viúvo os entregou à casa.

As histórias se repetem, dia após dia, Natal após Natal. Apesar da falta imensa que sinto da minha família neste dia, ter passado algum tempo com essas crianças ajudou a preencher aquela falta de afago. Voltei pra casa feliz.

(E, em tempo, aquele obrigada especial a Daniela Neto, Pedro Ferreira e Rodrigo Facundes, pela companhia e alegria natalinas :)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Desenterrando posts #2: África do Sul

Alimentando a zebrita.
Na primeira vez que vim à África, não consegui fazer um safári. A grana estava ainda mais curta e, na única semana de folga que tive, fiquei doente. Mas, desta vez, consegui. Não foi assim um safári safári, com calças cáqui e chapéu de caçador, mas foi uma experiência bastante interessante.

No início do mês, uns amigos tugas e portugueses me convidaram pra passar um final de semana na África do Sul. Apesar de ficar bem perto de Maputo, minha única experiência lá tinha sido no aeroporto de Johannesburgo. Piolho de gabina que sou, já estava com a mochila pronta.

Chegamos ao Marloth Park na sexta à noite. Ficamos em uma casa no meio do parque, rodeada de mato e com visitinhas de animais. Exercitei meu dom da persuasão e convenci o amigo Rogerson a me levar dar uma voltinha no Kruger Park no sábado pela manhã.

O Kruger é um dos maiores e mais famosos parques nacionais de toda a África. Da galera, eu era uma das únicas que nunca havia ido pra lá. O negócio é gigante! Tem aproximadamente 2 milhões de hectares de área e, só de mamíferos, tem quase 150 espécies diferentes. A taxa que se paga para entrar é de 204 Rands, o que dá uns R$ 50, pra passar o dia todo.

Ahhhh, as girafas!
Passamos apenas quatro horas lá dentro. Tempo para entrar em um portão, dar uma voltinha e sair no próximo. Mas deu pra ver bastante coisa. Girafas e zebras tão quase tão comuns de ser ver lá quanto os veadinhos, que nunca sei se são impalas ou qualquer outra coisa. São veadinhos parecidos com o Bamby. Para mim, que não sou bióloga nem nada, quando são filhotes, são todos iguais. Mas sei que são ou gazelas, ou impalas ou kudus. Específica assim :)

No tempo que ficamos por lá, vimos três dos Big Five: leão (dois machos dormindo perto da estrada; dormindo, não, capotados!), elefante e rinoceronte. Faltaram os búfalos e os leopardos pra completar os cinco. Por mais clichê que soe, é uma sensação única estar ali, a menos de dez metros de distância desses animais todos. Você está na estrada, e, de repente, umas zebras passam pela frente do carro. Olha para o lado, e aparecem uns elefantes e umas girafas. Sensacional demais.

Galera na casa do mato.
O Kruger está sempre cheio de turistas, ou em carros próprios, ou naqueles ônibus abertos. Quando há alguns parados na beira da estrada, certamente há algum animal para se ver. Também há alguns motoristas dos ônibus de turismo que avisam se passaram por algum animal que valha a pena ir atrás. Foi assim com os dois leões que vimos.

De volta à Casa do Mato, no Marloth Park, tivemos algumas surpresas muito agradáveis. Uma javali apareceu por lá, com um filhotinho, e passou a tarde de sábado comendo coisas que demos. No domingo pela manhã, ainda de pijamas, olhei pela janela e havia um bando bem maior de javalis. Fui para a cozinha beber água e havia três zebras olhando pela janela. Claro que fomos lá fora tirar foto e dar comida pra elas. Acho que superei meu medo de equinos - ao menos das zebras.

Até voltar para o Brasil, quero tentar passar uma noite dentro do Kruger. Veremos se consigo.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Desenterrando posts #1: Swaziland

Cana em homenagem à Rainha.
Em nove dias, embarco para minha tão sonhada viagem para Zanzibar. Foi então que me dei conta de que, até agora, não postei nada sobre os outros países que visitei por aqui. Antes que o mundo acabe, ou que eu embarque rumo à terra de Freddie Mercury, melhor colocar em dia o blog. Comecemos pelo Reino da Suazilândia.

Estive no Kingdom of Swaziland duas vezes. A primeira foi no primeiro final de semana de setembro, durante o festival Umhlanga, ou Reed Dance, ou, em bom português, Dança da Cana.

Antes da explicação do ritual, um pouco de informação. Suazilândia é um dos menores paises da África. Possui pouco mais de 1,1 milhão de habitantes em 17,3 mil km² de território - menor que o Sergipe, que tem 21,9 mil km². Faz fronteira com a África do Sul e com Moçambique, e não possui saída para o mar. É uma das poucas monarquias que restaram na África, mais de um terço da população adulta é soropositiva (maior taxa de contaminação do mundo), e a poligamia é liberada. Só o rei tem 13 mulheres.

Voltando ao festival. O Umhlanga acontece todos os anos e reúne cerca de 30 mil mulheres. A intenção é homenagear a Rainha Mãe com resultados da colheita de cana-de-açúcar, um dos únicos produtos de exportação do país. Acontece mais ou menos assim: as moças da Swazi passam uns dias colhendo cana e, na cerimônia, carregam feixes que são entregues à Rainha Mãe como forma de celebrar a colheita. Tudo isso em um ritual belíssimo, com as moças vestidas de acordo com as vestimentas de suas tribos (todas de peitolas de fora, claro), cantando e dançando felizes da vida.

Candidata a (mais uma) esposa do Rei.
O ritual serve também para o rei escolher mais uma esposa. Devido a críticas, já faz alguns anos que ele não anuncia nenhuma nova. Mas, pra manter a tradição, as potenciais candidatas são identificadas durante a cerimônia com um cocar de penas vermelhas. Na teoria, são virgens, e não podem ser tocadas por nenhum homem durante os dias de cerimônia. Nem pra tirar foto.

Há uma história bastante conhecida aqui na África sobre uma das últimas esposas do rei. Na época, a menina era muito jovem, menor de idade, e foi obrigada pelos pais a se casar. Isso gerou uma confusão enorme com as organizações de direitos humanos e, desde então, a poligamia na Suazilândia está na mira da comunidade internacional.

Quando se atravessa a fronteira, há um choque visual. Moçambique é um país com bastante sujeira nas ruas, com estradas esburacadas, com chão de areia. Suazilândia, apesar da pobreza, possui boas estradas e é um país limpinho. É montanhoso e, por isso, faz um frio do cão!

Na segunda vez que estive lá, fui apenas para almoçar. É tão pertinho de Maputo que dá pra ir, amoçar e voltar em menos de quatro horas. E foi nessa segunda vez que vi uma família de girafas na beira da estrada. Havia umas cinco ou seis, com filhotinhos e tudo. Quase chorei de emoção. Mas os animais são assunto para o próximo post, sobre a África do Sul e os parques nacionais ;)