segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A maldição do refresco

Corrupção é um mal crônico. Existe em todo lugar, e não serei hipócrita de negar. Mas, aqui em Moçambique, é algo tão constante que acaba incorporado ao dia a dia dos cidadãos, passa despercebido, faz cegar. Para além da obviedade da política, a corrupção de policiais é, provavelmente, o que mais choca branquelos perdidos e desavisados por aqui.

Logo que cheguei, fui alertada. Ando sempre com cópia autenticada de meu passaporte na carteira, um pouco de dinheiro, nada de cartões de crédito. Assim como em São Paulo, há sempre que se deixar a vista, na carteira, o dinheiro do ladrão. Os valores maiores ficam escondidos. Mas aqui, o risco maior não são os ladrões. São os policiais.

Depois de três meses de aventuras em terras moçambas, na semana passada, fui abordada no meio da rua por um policial e sua AR-15. Pediu meu documento. Mostrei a cópia autenticada. Estava tudo certo, entregou-me de volta e fui andando. Se não a tivesse comigo, certamente me ameaçaria, tentaria me levar pra esquadra e, por fim, pediria quanto eu tinha na carteira para lhe pagar "um refresco".

No sábado, porém, não tive a mesma sorte. Não entrarei em detalhes sobre as bizarrices que andam acontecendo pra me lembrar que estou no meu inferno astral. Mas depois de ter sido avisada que terei que mudar de apartamento pra ontem, ter perdido um almoço já pago (feijoada, por sinal) e de minha sandália ter arrebentado no meio da rua (tudo isso em menos de três horas), meu amigo Rogerson e eu fomos parados por um "polícia".

Ele estava dirigindo, me levando pra casa pra trocar de calçado, e eu, pelo que o policial argumentou, disse para ele virar em uma rua onde não era permitido. Havia uma placa indicando o sentido e nenhuma que proibisse a manobra. Passei hoje pela mesma rua, e confirmei que não há uma placa sequer proibindo que se vire à direita. De qualquer forma, a arma apontada pro carro acaba derrubando qualquer argumento.

Paramos, mostramos até a etiqueta das cuecas. Todos os documentos em dia. Aí começa a argumentação de que não se pode virar ali. O cara ameaça levar pra esquadra. Ok, vamos. Segura a carteira de motorista por vários minutos e decide chamar um colega, que estava na outra esquina.

O colega, com a maior naturalidade do mundo, pergunta logo de cara quanto temos na carteira pra resolver este assunto. A multa seria de 1 mil Meticais, algo em torno de R$ 70, mais pelo menos a nossa tarde inteira de tempo. Oferecemos 500, e ele sente-se ofendido. "Dá lá 700. Afinal, também somos pessoas que erramos". Vontade louca de sair e meter aquela escopeta goela abaixo, pra ver se endireita.

Mas melhor não discutir com dois caras armados, sem nada pra fazer no sábado à tarde. Logo depois, soube que, na noite anterior, alguns amigos também foram abordados. Um de carro, que teve os documentos praticamente sequestrados por policiais até que pagasse a quantia exigida. Outro de taxi, que também teve que pagar para que lhe devolvessem o passaporte. Se todo mundo que conheço aqui em Maputo contasse seus desprazeres com estes ratos, publicaríamos um livro!

E, antes de começar a maldizer o mundo, que fique apenas registrado o triste fato que, depois de três meses, fui batizada com o refresco maldito da polícia local.

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