terça-feira, 3 de julho de 2012

Africa, I'm back


1º de julho de 2012

Depois de cinco anos sonhando em trabalhar com ajuda humanitária, chego hoje a Maputo. Estive no continente africano em 2007, mas mesmo depois de tanto tempo, há coisas que parecem não mudar.

O vôo de São Paulo a Johannesburgo estava agendado para partir às 18h. Pensando nas férias escolares e no caos que deveria estar Guarulhos, saí de casa às 13h. Eu, uma mala pesando 34 kg, um violoncelo, uma mala de mão e uma mochila destinadas a me deixar com hérnia de disco. Chegamos ao aeroporto e o caos estava muito maior que qualquer pesadelo estudantil. Excursões de adolescentes que não medem o volume da própria voz se aglomeravam em cada canto. Tumulto, barulho, caos.

No balcão de check in, a bagagem não passa. Mais tempo remanejando bagagens. Fila pro check in, filas pro embarque. Uma hora e meia depois, chego à emigração. No painel, última chamada para meu vôo. Saio em desparada pelos corredores intermináveis. Enfim, sento à tempo de ser jateada pelo Bom Ar "aprovado pelas agências de saúde" que nos é posto à força dentro das aeronaves.

O avião atrasa apenas 10 minutos e tudo parece bem. Parece, até a chegada a Johannesburgo.

Mais filas, confusão, mais adolescentes falando alto - desta vez, a visão do inferno se materializa em loiros e ruivos metidos em espinhas e uniformes de escoteiros. Sim, escoteiros! Duas dúzias deles, se enrolando entre documentos para autorização de viagem, passaportes, mochilas à la Inspetor Bugiganga, chicletes, bocas abertas, controle de volume quebrado.

Quando, finalmente, chego ao balcão da operadora que me levaria a Moçambique, uma moça com visível preguiça de existir no mundo rumina um "Némáshpossíveloembarcshtêncerrad". Peço para repetir. Entre uma lixada de unha e outra, olhar para baixo do balcão, rumina a frase mais duas vezes, até que a colega da companhia ao lado liga a tecla SAP: "Não é mais possível seu registro. O embarque está encerrado".

Como o atraso foi da outra companhia, me mandam até lá para ver se me encaixam em um vôo próprio para Maputo. O atendente, desta vez com o mínimo de dicção, diz que é possível, mas que me será cobrado. Afinal, quem se atrasou fui eu, já que havia uma hora e meia entre a chegada do vôo e o embarque para o próximo.

"Pois bem", reflito eu em voz alta, dois atendentes da South African me fuzilando com os olhos, "se o avião chegou com meia hora de atraso, e, por alto, leva-se mais uns 20 minutos até que se consiga sair da aeronave, perdoem-me, mas nem se a rampa desse acesso ao colo da colega da outra companhia eu chegaria a tempo para o embarque. Isso sem contar a fila gigantesca da imigração".

Sem medo de ser decaptada, fico esperando até que confirmem o atraso, a fila, a moça da outra companhia a lixar as unhas. Dez minutos de africâner alterado ao telefone e a atendente me devolve um bilhete de embarque com o aviso "You have to go NOW. And you better run, or you won't get this either".

Lá vou eu, ouvindo música de corrida de cavalos mentalmente. Arranco o notebook da mochila, atropelo o casal tartaruga no Raio X e passo desesperadamente por 30 portões de embarque. Deu tempo.

Uma hora depois, desço do avião em Maputo. Espero, espero, espero. Olho para os lados. Só resta uma mala na esteira, e não é a minha. Chega outra aeronave, mais malas. Nem sinal da minha.

Vou ao balcão de achados e perdidos. Ao menos outras dez pessoas urram a ausência de suas bagagens. Um deles reclama que já é a terceira vez no ano. O atendente tenta explicar que é assim mesmo. Rindo, ele me diz que é comum chegarem as pessoas, mas não as malas, e vice-versa. Considerando-se que meu ansiolítico ficou na mala perdida, eu não toleraria este comentário novamente.

Saio de lá com uma mochila e uma mala de mão com as coisas que não couberam na outra mala, além de um registro de reclamação de mala perdida. Por ironia do destino, fiz a mala de mão pensando que a bagagem pudesse ser perdida e eu conseguisse sobreviver até que ela fosse encontrada. Maldito Murphy!

Ao menos um motorista me espera com um envelope escrito meu nome. Vamos ao hotel África. Mas não acertamos de primeira. É outro, a três quarteirões dali.

Chego ao quarto com a esperança de, em duas horas, outro vôo de Johannesburgo ter chegado com minhas malas. Ligo para a empresa responsável e nada. Já haviam avisado que seria difícil informações por telefone. Era preciso retornar pessoalmente, no escuro.

De volta ao aeroporto, coisas que só se vê na África: uma aeronave inteira no balcão de achados e perdidos. Um avião veio da Etiópia apenas com os passageiros, e nenhuma bagagem. Nenhuma!

Meu remédio começa a fazer falta. De repente, começo a sentir uma vontade de sair correndo, de amarrar aqueles funcionários na esteira e deixar que girem nela até que minhas malas cheguem. Cade meu remédio? Cadê minha mala? Meu violoncelo, que mal sei tocar ainda?? Nada, sequer estão registrados no sistema, o que quer dizer que podem até estar em Guarulhos ainda.

Volto para o hotel conformada em viver alguns dias com as roupas da mala de mão. Compro um chip de celular, recarga. Me restam 300 Meticais na carteira - equivalente a R$ 15, que só agora sei, por me dar conta da cotação.

Começo, então, minha jornada em busca de um xampu e um desodorante, já que tudo que trouxe ficou na mala perdida. Mas 300 MT não devem ser suficientes. Passo no caixa eletrônico, sem sistema. Passo no seguinte, que reinicia assim que insiro o cartão.
- Tela azul do Windows...
- Aguarde para reiniciar o sistema...
- Insira seu cartão.

Insira seu cartão? Meu cartão já está na máquina!!
Pronto, meu único cartão engolido pelo caixa eletrônico. E hoje é domingo! Terá que ficar lá até amanhã de manhã.

Pois bem, passo mais de uma hora tentando achar uma farmácia, um mercadinho, uma venda, um camelô que possa me vender xampu e desodorante. Nada.

Volto ao hotel, o recepcionista lembra-se de uma farmácia. Já está escuro, mas não tenho mais nada a perder mesmo. Chego lá, e não há nada do que preciso.

Volto chorando copiosamente para o hotel. Mal consigo pedir minha chave.
Tento usar o celular, mas é preciso fazer registro de usuário. Também só amanhã, pessoalmente na revenda autorizada da empresa. No quarto, o sinal da internet não funciona.

Começo a escrever isto tudo, na tentativa de me acalmar um pouco. Por sorte, esqueço o celular ligado, com o número que dei pela segunda vez nos achados e perdidos. E eis que recebo uma ligação. Minhas malas estão lá. Bom, vamos ver o que o destino me reserva. Que chamem Caronte! Estou pronta para atravessar rumo ao inferno de Dante.


[Como se pode perceber, este post só foi publicado hoje, dia 3, quando a internet funcionou a lenha aqui no hotel]

5 comentários:

  1. TÁ. O próximo só com umas gotas de otimismo, ein.

    bj

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  2. Adorei!!! Escreva sempre que possível pra gente acompanhar sua vida aí tão longe. E é claro que algo tinha que sair do "normal" neh, senão algo estaria errado mesmo rsrsrs
    Fica com Deus! Já estamos morrendo de saudades!!!

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  3. Isso que é aventura...
    Vou acompanhar seu blog... tenho certeza que vou me divertir bastante com suas aventuras na Africa.
    Bjinhos Dani

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  4. eu fechei o olho e vi isso "Lá vou eu, ouvindo música de corrida de cavalos mentalmente. Arranco o notebook da mochila, atropelo o casal tartaruga no Raio X e passo desesperadamente por 30 portões de embarque. Deu tempo." - até sei como tava correndo!

    boa sorte na epopéia!
    beijos!

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  5. Paola! Parabéns pela iniciativa! Fiquei muito admirada pela sua ida e feliz pelo amor que tu tem em ajudar o próximo! Obrigada por compartilhar suas experiências e momentos em Moçambique conosco!
    Sucesso em tudo aí e boa sorte!
    Muita luz a ti!
    Beijo grande!

    Obs: o Alfredo deve tá com saudades! ;)

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