quinta-feira, 26 de julho de 2012

José, o Zeferino de Moçamba


Pra não falarem que eu só reclamo, contei a primeira parte alegre sobre a mudança pro apartamento. Faltou, óbvio, a novela mexicana dos primeiros dias. Mas, pra deixar a história menos angustiante, vou falar do José, o quebra-galho que foi dar um tapa lá no meu flat – no bom sentido, é claro.


Antes, uns detalhes. Comprei minha vasta lista de móveis e artigos pra decoração na sexta-feira passada. Pra dar aquela força, um dos logísticos lá da ONG (logístico é a versão chique pra office-boy) pegou o caminhãozinho dele, colocamos todas as cinco caixas em cima, e levamos pro apê. Chegando lá, minha coordenadora, que já havia tentando dar uma prensa no pintor sem que eu percebesse, me avisou que ainda faltavam uns detalhes. Coisa básica: não tinha cópia da chave do cadeado da entrada do prédio, os canos estavam entupidos, o pintor não havia terminado o serviço dele, nem ia terminar, e o eletricista viria no dia seguinte. Logo, teria que dormir mais uma noite no hotel.

Sem problemas. Dia seguinte, peguei um taxi e levei as coisas todas pro apartamento. Detalhe é que o motorista sequer desceu do carro. Nas palavras dele, ele era motorista, e não carregador. Pois bem, que morra com a bunda colada naquele banco ensebado.

Duas horas depois, batem na minha porta. Abro e descubro, depois de muito penar, que era o vizinho, cujo nome não entendi, com o José, o eletricista. Detalhe que o vizinho é gago. Mas não gago só de sílaba. Cada vez que ele gagejava, ele erguia os calcanhares, fazia um “Píiii-fim-iiim-desculpa” ou “Ihhh-fiimm-hom-desculpa”, e gaguejava mais ainda. E eu ali, com a porta entreaberta, segurando o look cara de paisagem, chorando de rir internamente, esperando até que saísse a frase inteira.

Nesse tempo, avisaram que o encanador não ia aparecer. Então, o José, o eletricista, avisa que pode fazer os trabalhos de encanador também. Das 11h da manhã às 8h da noite, lá ficamos eu e José no apartamento. E nada do trabalho acabar. Decidimos que ele voltaria na segunda. Ao menos havia água (fria) e lâmpada funcionando.

Ele foi e eu decidi limpar o apartamento pra começar a guardar as coisas. Dois armários limpos depois, acabou a água. E eu sem tomar banho. Fingi calma pra mim mesma e continuei, na certeza de que a água voltaria. Já passava das 11h da noite quando ouvi um barulho de água na caixa da privada. Só deu tempo de subir na banheira e tomar banho na torneira de água fria mesmo, de canequinha. Foi sair que a água acabou de novo.

(Dois detalhes: na África, ter banheira é coisa comum. Não é chique. Até porque a galera usa a banheira como uma grande bacia que só não deixa a água espalhar pelo banheiro. Não enche e fica lá sentado, pensando na vida. Fica em pé dentro mesmo, e toma banho normal. Outro detalhe é que aqui não é costume usar chuveiro elétrico. Galera usa termoacumulador e aquelas torneiras misturadoras na casa toda. Pra que é que vai ter água quente na pia da cozinha, em plena África? Pra não congelar a mão nos 20° que tá fazendo agora no inverno? Ah, vah!)

No dia seguinte, quase meio dia, e ainda sem água. Ligo pra minha coordenadora, que fala com a dona da casa. Aqui em Moçambique, a galera muito esperta tem a caixa de água no nível do chão. Então, tem que ter sempre uma bomba funcionando pra mandar a água pra cima. Se não bastasse isso, a bomba do meu apartamento e do vizinho gago é a mesma. Ele estava com um vazamento em casa, e decidiu desligar. Assim, na boa, sem avisar. Tá bom que ia levar um tempo pra sair a frase avisando, mas podia ter tentado, né?

Enquanto falava com ela no telefone, um estouro e fumaça na caixa de eletricidade. Voltou a água, foi-se a luz. Chama o seu José! Domingo é dia de descanso, mas ele compreende a necessidade e vai mesmo assim.

A água volta e começa a pingar de dentro de um dos interruptores. É claro que não ia dar certo. Como é domingo, José dá um jeitinho de isolar aqueles fios molhados, só pra não incendiar até o dia seguinte.
E eis que segunda de manhã, José avisa que vai atrasar. A esposa dele está com malária, mas isso não assusta mais a galera por aqui. Ele a deixa no hospital e vai lá socorrer a branquela, que ainda tá tomando banho frio, e de caneca.

José é uma das poucas pessoas aqui em Moçambique que parece não ter medo de trabalho. Leva tudo na esportiva, e dá um jeito pra tudo. Tem o dom da gambiarra, mas com isso eu me identifico. Até que, lá pelas tantas de segunda-feira, resolvi ajudar o Zé. Nos outros dias ele não deixou, mas depois de uns papos, ele aceita minha ajuda. Assim, acabamos mais rápido.

Depois de três dias de sufoco, tomei meu mais que merecido banho quente, cozinhei um arroz com feijão no fogão que o Zé chumbou na parede (soldou o suporte da madeira na parede mesmo, com aqueles aparelhos de soldador, já que eu tava com medo que caísse. Agora, nunca mais). E com uma boa dose de relaxante muscular, dormi feito uma pedra.

Só falta a internet em casa, que levei um baile pra pedir. Mas isso é assunto pra outro post.

3 comentários:

  1. adorei. aquela história de 'segurar o look' vc aprendeu com o Wanderlei, claro. kkk

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  2. Nossa esse foi o melhor até agora. Adorei o "logístico", genial!! Caixa d'água térrea, bem português mesmo!

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