quarta-feira, 4 de julho de 2012

Na linha de frente


Mal retorno à África e lembro dos motivos que me deixaram longe dela por tanto tempo. Aqui, tempo é uma medida que não se mede, uma efemeridade, uma lenda urbana em praticamente todos os lugares onde mais se precisa dele.

Ao mesmo tempo, cultiva-se uma esperança quase que materializada. E foi este um dos motivos que me fez passar cinco anos tentando voltar. Vê-se esperança na pobreza, na falta de alternativas, na vida que segue. Só não se vê esperança no fim da minha luta em busca das malas perdidas.

Estou em Maputo há três dias. Há dois, chegou minha mala. Suja, surrada, rasgada, mas chegou. O violoncelo, entretanto, descansava no limbo até as 22h de ontem, mesmo depois de cinco viagens pessoalmente ao aeroporto e ligações incontáveis. Quando minhas esperanças já estavam perdidas, ele apareceu na esteira de Maputo.

Mal desliguei o "telemóvel", já estava vestida e esperando o taxi para buscá-lo no aeroporto. Chego lá e quase o abraço de emoção. Percebo que todas as etiquetas de Frágil foram arrancadas, e me sobe um frio na espinha.

Corro para a salinha dos achados e perdidos e peço para que o oficial fique comigo ao abrir o case. Uma dor no coração. De cara, duas cordas arrebentadas. Tiro o instrumento, o inspeciono com cuidado. Felizmente, meu prejuízo ficou por aí.

Saio do limbo para abraçar Cérbero. A luta agora é pra que registrem meu dano. Primeiro, dizem-me que não há o que se fazer, porque nunca transportaram um violoncelo (que insistem chamar de viola). Depois, me mandam deixá-lo alí para ser enviado de volta a Johannesburgo para que consertem (de certo há algum segredo sulafricano de se consertar cordas arrebentadas). Por fim, dizem que é para eu ir assim mesmo, que não haverá reembolso.

Pronto, me tiram do sério. Rodo a baiana no melhor estilo brasileiro barraqueiro de ser. Chamo a polícia, exijo ser atendida por Deus em pessoa. Uma passageira que era parada no Raio X aproveita a onda de calor suburbano e começa a xingar o mundo.

Depois de muita discussão, consultam o superior dos superiores do mundo de Moçambique, que autoriza que me dêem um registro de dano na bagagem e que eu não me separe mais de meu violoncelo banguela.

Volto na manhã de hoje ao aeroporto, com as cordas quebradas em um envelope, mil formulários preenchidos, cópias até dos meus documentos da pré-escola. Brigo com mais meio aeroporto pra me fazer ser ouvida. Enfim saio de lá com um registro carimbado e assinado de entrega e a promessa de retorno em até duas semanas.

Como tempo é algo extremamente subjetivo aqui na África, veremos o que o destino me reserva.

3 comentários:

  1. E a aventura continua! [mesmo com problemas. Terrível lei de Murphy como você mesma lembrou no outro post].
    Continuamos aqui, como espectadores de sua jornada.
    Beijo!
    Samira

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  2. Adorei o texto! Sempre gostei de escrever... mas prefiro deixar meu heterônimo fazer por mim!
    Estou acompanhando o drama, bjs

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  3. P1, sua tática de chamar a polícia sem medo de ser feliz, será incorporada à minha rotina. Certeza! Fiquei triste com o estado que sua mala novinha chegou, mas pelo menos o violoncelo chegou inteiro. Ansiosa pelos próximos posts... Beijos e boa sorte!

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